Relato da Natasha* da Bahia

Eu estou em situação de vantagem social, pois consegui desde o início da pandemia fazer distanciamento social e trabalhar de casa sem que isso afetasse meus rendimentos. Além disso, sou casada e não tenho filhos, e meu marido também tem trabalhado de casa, com segurança financeira. Temos um relacionamento saudável e estamos alinhados quanto às condutas de segurança para evitar a contaminação pelo Coronavírus. Porém, minha carga de trabalho aumentou consideravelmente desde o início da pandemia. Sou professora e perdi completamente os horários de descanso e os finais de semana. Minha casa se transformou em uma sala de aula. O início foi particularmente complicado, pois não havia um planejamento bem definido de ação e de condutas para com os estudantes e tive dias com mais de 6 reuniões, além de precisar me reinventar e aprender a gravar e editar vídeos, podcasts, descobrir novas ferramentas, preparar materiais diversos, participar de campanhas de arrecadação de alimentos e máscaras, e procurar formas de evitar ao máximo a evasão dos alunos. Neste primeiro momento, meu marido, que é artista, ficou sem trabalho e o meu salário se tornou a nossa única renda. Com isso, passei a cozinhar todas as refeições para economizar (e por medo de contaminação) e dar conta de todas as tarefas domésticas sozinha. Depois de um pouco mais de um semestre da pandemia, meu marido foi convocado no concurso que ele havia passado e assumiu a vaga, tornando-se também professor, o que aliviou a nossa renda, mas me mantive sobrecarregada. Eu nunca me senti tão exausta. Trabalhando, cuidando das tarefas domésticas e realizando uma pós graduação no meio de uma pandemia. Além de duas mudanças, uma delas de estado.

Discutimos muito a respeito da divisão igualitária de tarefas, do cansaço mental e ele sempre concorda em relação ao assunto, mas, ainda que realize algumas mudanças de comportamento, ainda me vejo assumindo a maioria das responsabilidades domésticas e estando exaurida o tempo todo. Ele está sempre preocupado com o trabalho e, ainda que tenhamos a mesma profissão, me entristece muito as formas subjetivas que o trabalho dele parece importar mais que o meu e como ele é acostumado a ser servido e eu a servir. O distanciamento social e a exaustão me fizeram pensar muito sobre ter ou não ter filhos. Descobri uma endometriose meses antes do início da pandemia e me senti pressionada pelos médicos a tomar uma decisão rápida, para não correr o risco de aumentar a possibilidade de infertilidade. Isso mexeu muito comigo. Acho a ideia de gerar, criar, maternar, adotar, cuidar, educar, etc. muito importantes e bonitas. Adoraria poder viver uma maternidade feliz. Como sou filha única, distante de minha mãe e não tenho pai, pensei que seria uma oportunidade na vida para sentir um amor forte familiar, mas cada vez mais tenho repensado isso. A maternidade chegou em um momento e de uma forma muito negativa para minha mãe e eu já imaginei que comigo pudesse ser diferente. Trilhei um caminho profissional, estudei bastante, consegui uma ascensão econômica e estabilidade financeira, tenho um bom casamento, mas vejo que a sociedade em que vivo não me permitiria viver a maternidade que eu desejo e eu não quero me cansar ainda mais e nem jogar em um filho a responsabilidade de me fazer sentir realizada e muito menos culpá-lo/a pelo meu cansaço. Meu marido nunca teve vontade de ter filhos, apesar de se mostrar presente e aberto à possibilidade, mas eu tenho aprendido com esse período que minha saúde mental é fundamental para meu bem viver e sinto cada vez mais distante de mim a possibilidade de escolher ter. Quanto à saúde, não contraí a doença, mas, devido à rigidez com o distanciamento social, me percebi muito mais triste, estressada, ansiosa, etc. Mantive atendimento virtual com psicóloga desde o início, o que foi fundamental para que eu não pirasse. Agora, após a imunização, voltei a marcar consultas e estou fazendo acupuntura para cuidar da ansiedade. Além de retomar aos poucos algumas atividades físicas e tudo isso têm contribuído muito para melhorar minha saúde.

[*Os nomes são inventados.]

Dados gerais da autora do relato:

#BA #33anos #Parda #ReligiaoOrigemAfricana #PosGraduaçao

Publicado por Grupo RepGen

Grupo de Pesquisa Gênero, Reprodução e Justiça - RepGen. Reúne pesquisadoras da UFBA, Fiocruz e UFRJ.

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